A partir do resgate de documentos, imagens e filmes históricos, é possível conhecer a identidade de seu povo
Repórter
29/05/2014
Registrar a memória da cidade, buscando documentos históricos, imagens e trechos de filmes que resgatam o seu valor. O trabalho de pessoas que aderem à esta causa vem ao encontro da comemoração dos 164 anos de Juiz de Fora. Dentro da sua trajetória, a cidade construiu elementos propícios que provocam uma reflexão aos seus moradores: Qual o valor dou à história da minha cidade? Como as ações das pessoas que aqui viveram em séculos passados reflete na cidade que vivo hoje? Que valor é dado aos espaços arquitetônicos e urbanísticos?
Colecionador de postais, o jornalista e historiador Douglas Fasolato argumenta que é possível as pessoas se interessarem pela sua origem, a partir de elementos históricos destacados. “Quando as pessoas têm acesso a imagens da cidade em décadas passadas, é possível que elas comparem, opinem sobre qual a cidade elas querem, como isso vem sendo mudado ao longo do tempo, do ponto de vista urbanístico, arquitetônico. São possibilidades que a imagem oferece”, afirma.
Autor do livro Juiz de Fora: Imagens do Passado, Fasolato disponibiliza imagens de importantes monumentos e etapas da vida sociedade, de maneira a retratar especificidades da identidade do povo juiz-forano, e elementos como o Parque Halfeld e o Grupo Central. “Facilita a compreensão e a comparação e permite ver que a cidade perdeu quase todo o seu patrimônio”, observa.
Há anos pesquisando acervos particulares e públicos, documentos de cartórios e igrejas, além de correspondências, Douglas defende a reconstrução de elementos que permitam às pessoas conhecerem e compreenderem o passado. “No bairro Santo Antônio, até 1911, estavam as ruínas da antiga capela e do antigo cemitério. Usando mapas e com as informações topográficas, é perfeitamente possível localizar onde nasceu Juiz de Fora e a partir disso criar um marco onde nasceu Juiz de Fora. Com a tecnologia, é possível fazer um projeto em 3D, que permita às pessoas perceberem a evolução da cidade. A tecnologia pode e deve ajudar”.
O passado na rede
Seguindo a linha de identificar momentos importantes da cidade e elementos artísticos que a caracterizam, Marcelo José Lemos criou o blog Maria do Resguardo em 2009. De lá para cá, já postou mais de duas mil fotografias e ainda possui um acervo de quase dez mil imagens para serem digitalizadas. “Sempre gostei de fotos antigas, de ver a cidade como era no passado. Na Internet, havia muitas fotos sem qualidade e eu ficava chateado com aquilo. Andei procurando com vários colecionadores. Queriam me vender as fotos. Passei a comprar e cheguei a gastar quase R$ 5 mil em fotos”, conta.
De acordo com Lemos, apesar de ser uma iniciativa que tem por objetivo apenas divulgar o patrimônio histórico da cidade, não foi vista com bons olhos por alguns historiadores. “Criei o blog, coloquei uma foto e o Márcio Delgado, professor de História, me incentivou a postar somente fotos antigas. No início, tive problemas com colecionadores, dizendo que eu estava banalizando a história. Mas não liguei, continuei fazendo. Percebo que os juiz-foranos não tem muito interesse pela sua história. Somente três colecionadores, que não são da cidade, aceitaram em contribuir. A maioria não tem mão aberta (sic)”, reclama.
Desde a sua criação, o site possui cerca de 800 mil views e conta hoje com uma página no Facebook. Entre as categorias, destacam-se fotos da avenida Rio Branco, do comércio da cidade, da rua Halfeld, a Zona Boêmia de Juiz de Fora, entre outros pontos característicos da antiga princesinha de Minas. “Este trabalho é um estímulo para que as pessoas compartilhem a nossa história, mas infelizmente muitos não dão os devidos créditos. A minha preocupação é que o autor da foto não seja identificado. Perder esta origem é matar o autor ou quem guardou o arquivo. Há muitas fotos que coloco e não sei a origem. Qualquer pessoa que entrar no blog e informar quem tirou a foto, fico imensamente agradecido.”
O projeto é também coordenado por Jorge Couri Jr., Emanuel Silva, João Batista de Araújo e Ramon Brandão. Além deles, recebe a colaboração de Humberto Ferreira, Márcio Delgado, Vinícius Paiva, Franco Groia, Cássio Moreno, Sylvio Mário Bazote e Alessandro Driê.
A evolução do registro audiovisual na cidade
À frente de dois projetos de pesquisa na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), a professora e pesquisadora Christina Musse resgata elementos da memória a partir de depoimentos e vídeos. O primeiro, Comunicação, Cidade, Memória e Cultura, trabalha com a recuperação da história da imprensa, propondo uma cartografia dos jornais e revistas da cidade.
A partir de um estudo da produção audiovisual da cidade, de 1950 a 2010, o projeto Cidade e Memória: construção da identidade urbana pela narrativa audiovisual faz um levantamento sobre a produção de filmes e vídeos, capazes de registrar elementos importantes da história juiz-forana. “Começamos a trabalhar desde o final de 1950, quando houve a criação do Centro de Estudos Cinematográficos (CEC). As pessoas ainda não tinham acesso à televisão e o cinema era um ritual de iniciação ao conhecimento”, conta.
Por meio de entrevistas e documentos, foi possível identificar momentos importantes dentro da trajetória do audiovisual na cidade, como o fato de sediar o primeiro festival de cinema no Brasil. “Em 1966 e 1967, ocorreram dois festivais de cinema em Juiz de Fora. Segundo algumas fontes, o de 66 foi o primeiro festival de cinema brasileiro no país. Naquela época, o cineclubismo já estava acontecendo apesar do governo militar. Fazer filmes eram difícil por causa da censura. Mas Juiz de Fora impressiona pelas críticas detalhadas sobre cinema no principal jornal da época, o Diário Mercantil”, relata.
Junto à aluna Haydêe Arantes, Musse lançou na última terça-feira, 27 de maio, o livro Memórias do Cineclubismo – A Trajetória do CEC – Centro de Estudos Cinematográficos de Juiz de Fora. A obra aborda a história de um grupo juizforano criado em meados do século passado, cujas influências cinematográficas foram ao auge durante a década de 1960 e reverberam na cultura da cidade até hoje.
Os registros hoje
Dentro do mesmo projeto, Musse e os demais pesquisadores fazem um levantamento dos registros audiovisuais produzidos hoje. “Já produzimos um artigo sobre a MC Xuxu. Foi um dos primeiros artigos que falam sobre essa força no YouTube na divulgação da periferia. A gente começa perceber que o foco começa a mudar. Antes as pessoas tinham a ideia de que era preciso educar as pessoas que estavam à margem. As periferia hoje diz: não precisamos que ninguém venha nos dizer o que fazer. Temos uma inversão imensa de papeis. Faz-se poesia na periferia. E está é uma mudança muito grande sobre como as pessoas se comportam a partir do acesso às redes sociais. É uma mudança muito saudável e que empodera as pessoas”.
Fonte: Acessa.com