Artigo publicado na PIXO – Revista de Arquitetura, Cidade e Contemporaneidade, v. 6 n. 22 (2022): Cidadania & Território I. (Inverno)
UMA CIDADE COM MUITAS CÂMERAS
Alessandro Driê 1
“Uma Cidade com muitas Câmeras” é um curta de animação experimental, em quase nove minutos, realizado em 2016. É uma homenagem ao filme “Um Homem e sua Câmera”, de Dziga Vertov, de 1929. Nos dias atuais, as cidades tem a presença quase que onisciente de câmeras de vigilância: Estão por toda a parte, seja nas residências, em espaços comerciais, nos elevadores, ou nos telefones celulares. E por algum acaso o autor – quando esteve envolvido em um movimento social em defesa dos cinemas de rua de Juiz de Fora, Minas Gerais – soube do recurso que a então Secretaria de Transportes e Trânsito (SETTRA) disponibilizava pela Internet. Ao todo, 10 câmeras se dividiam por alguns dos cruzamentos de ruas ou avenidas com maior movimento de veículos, fornecendo imagens com algum pequeno atraso em relação ao tempo real, para verificar eventuais engarrafamentos ou quaisquer incidentes. Estas imagens, de média qualidade, duravam cerca de 1 minuto, sendo que a cada quase 10 segundos elas giravam para algum dos sentidos das vias. Assim, inspirado pela obra de Vertov, partiu-se para a coleta de cenas, com um posterior tratamento para que as imagens ficassem mais uniformizadas e também atender a um dos conceitos de animação em audiovisual, que é a sequência de imagens em quadro a quadro. A montagem ainda procurou ordenar as cenas conforme ocorressem ao longo de 24 horas, em dias diferentes, mas que dessem uma ilustração do cotidiano local. E a transição entre estas cenas refletia o movimento real das câmeras, sempre para a direita de quem assiste. Uma música criada por Bula Temporária foi escolhida pelo autor por achar que cumpriria bem o papel de pano de fundo. O curta retrata Juiz de Fora, mas poderia ser qualquer outra cidade. Por causa da função das câmeras serem de trânsito, conferimos o meio urbano tomado por automóveis, em sua maioria. No filme “Um Homem e sua Câmera” é bastante visível a relação das pessoas com as máquinas, lembrando que naquela obra a proximidade entre ambas é maior, assim como a subjetividade das cenas. No curta “Uma Cidade com muitas Câmeras”, o olhar reflete a objetividade da “frieza” das câmeras, até em função do distanciamento deste tipo de dispositivo com as pessoas – elas estão acima de nossas cabeças ou quase escondidas. No momento em que a animação foi montada, já havia a instabilidade política no país, cuja polarização tomava as ruas. É o ser humano demonstrando a sua resistência tanto ao ocupar a polis dominada por máquinas quanto se afirmando politicamente. Dziga Vertov conseguiu realizar um filme que sempre é diferente a cada vez que assistimos. O curta de animação pode não chegar a tanto, porém, o conjunto das cenas do cotidiano também oferece outros olhares, possibilitando boas reflexões.
Referências
UM HOMEM e sua Câmera. Direção: Dziga Vertov. 1929. Longametragem de documentário. Web (68 min), mudo/musical, P&B. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=sGanECSgRNE
UMA CIDADE com muitas Câmeras. Direção, animação e edição de vídeo: Alessandro Driê. Música: Davidson Lopes (Bula Temporária). 2016. Curtametragem de animação experimental e documental em rotoscopia quadro a quadro em vídeo. Web (9 min), son., color. Disponível em: https://vimeo.com/188608689
VERTOV: O Homem e sua Câmera. PERNISA Junior, Carlos (Org.). Rio de Janeiro, Mauad X, 2009
1 Alessandro Driê – é arquiteto e cineasta de animação. Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), e também é animador autodidata. Foi um articulador de movimentos sociais na cidade de Juiz de Fora, como o Movimento “Salvem o Cine Excelsior” e “Salve o Cine Palace”. Na área do audiovisual, dirigiu alguns curtas de animação bem como editou outros trabalhos em vídeo.