Matéria publicada na Tribuna de Minas, nos dias 24-25 de dezembro de 2006.
Janaina Nunes
Repórter
O Amigo-oculto Solidário é um projeto da Tribuna, realizado desde 2003, em que cinco artistas da cidade que se destacaram durante o ano são convidados a participar de um sorteio para troca de presentes. Só que, em vez de trocarem agrados entre si, eles escolhem instituições cadastradas no Conselho Municipal de Assistência Social para fazer uma visita. O resultado traz benefícios às duas partes: aos assistidos, que vivem momentos lúdicos em contato com apresentações de dança, teatro, música, vídeo etc, e aos visitantes, que experimentam o prazer de proporcionar acesso à cultura a quem tem poucas oportunidades.
Para mostrar o que aconteceu em cada uma das visitas e apresentar um pouco da realidade de cada instituição, com seus empenhos, conquistas e dificuldades, a Tribuna acompanhou cada passo. Em alguns lugares, como na Creche Cooperativa Carlos de Moraes, no Bairro Furtado de Menezes, as condições precárias foram compensadas pela alegria no rosto das crianças, dando gargalhadas com a apresentação do Grupo Pingo de Contos.
No Hospital Ana Nery e na Casa de Repouso Vida Nova, onde estiveram, respectivamente, os dançarinos da Estação Cultural e a dupla Gean e Roger, os assistidos puderam relembrar velhos e bons tempos em que gostavam de sair para ouvir música e dançar. No Lar Fabiano de Cristo, a surpresa foi a atenção e o interesse de crianças e adolescentes pelo trabalho do diretor de animação Alessando Driê. E no Centro de Atendimento à Infância e à Adolescência, o Quarteto Jovem do Pró-Música despertou os atendidos para a beleza dos instrumentos de corda.
Instituição ameaçada
Para quem vive a inocência da infância, não existe tempo ruim. Prova disso foi a animação das cerca de 40 crianças de 2 a 6 anos, que, mesmo assentados no chão sob sol forte, se divertiram com a apresentação do grupo de teatro Pingos de Contos – Os Contadores de Histórias, na quadra aberta da Creche Cooperativa Carlos de Moraes. A instituição atende um total de 70 crianças de 4 meses a 6 anos.
O grupo encenou algumas fábulas, entre elas a do porquinho que nasceu com o rabinho esticado e a do galo que cantava para o sol nascer. A cada movimento de cena, os pequenos correspondiam com o olhar, as gargalhadas e as palmas. Até mesmo a coordenadora da creche, Glória Fernanda, surpreendeu-se com o comportamento da criançada: “Eles nunca ficam tão quietinhos e atentos assim”.
Ao final da apresentação, a atriz e diretora do grupo Darciléia Silva assumiu o compromisso de mobilizar a comunidade do Bairro Furtado de Menezes para melhorar as condições físicas da instituição. “Queremos fazer apresentações para levantar fundos, pois do jeito que está não pode ficar.” O local está ameaçado de perder o alvará de funcionamento por causa da precariedade da situação: paredes descascadas e infiltrações no teto.
A Creche Cooperativa Carlos de Moraes nasceu de uma iniciativa comunitária para suprir a demanda de crianças cujos pais precisavam trabalhar e não tinham onde deixar os filhos. A instituição é conveniada com a Amac e também recebe mensalidades das famílias assistidas. No entanto, segundo a coordenadora, os recursos não são suficientes para cobrir todos os gastos. “Desde que foi inaugurada, há cinco anos, nunca conseguimos fazer a manutenção”, lamenta Glória.
Além de pintura e restauração, que são necessidades mais urgentes, a creche busca doações de carnes, pães e gás de cozinha. Outra forma de ajudar é apadrinhando uma criança com o pagamento mensal de R$ 47.
– Creche Escola Carlos de Moraes (Rua Dr. Alberto Sureck 35 – Furtado de Menezes). 3235-0568
Talentos resgatados
Gean e Roger foram recebidos como astros pelos internos e funcionários da Casa de Repouso Vida Nova, que pediram até autógrafos. A varanda da casa, enfeitada com decoração natalina, foi palco para o show intimista com repertório formado por sertanejo de raiz e canções populares. No começo, a dupla cantava e os anfitriões somente acompanhavam o ritmo. Mas logo os idosos foram se soltando e relembrando os tempos de mocidade.
Quem estava em forma levantou e dançou. E a receptividade foi tamanha que alguns até se ofereceram para dar uma palhinha ao microfone. Relembrando o romantismo da época em que era um grande galanteador, José Ângelo fez bonito cantando “Meu primeiro amor”. Marilene Mourão, ex-jogadora de vôlei do Clube Bom Pastor, também arriscou cantar algumas: “Sempre gostei de músicas, fazia cantorias desde a infância e agora animo todas as festas daqui”.
Para a dupla, foi um show especial, e a recompensa, segundo Gean, é a oportunidade de refletir sobre a própria vida. “É uma alegria poder estar com eles, ver a reação de cada um, os sorrisos. Mas ao mesmo tempo fica a tristeza de saber que não há muito o que fazer. Vi como são bem tratados e acolhidos pela instituição, mas poucos ainda são lúcidos. E isso, particularmente, me fez avaliar o presente e pensar no futuro, na importância de valorizarmos os momentos e as pessoas com quem convivemos”, declara Gean.
A instituição particular existe há dez anos no Bairro Grama, mas os proprietários somam experiência de 20 anos no ramo, mantendo também outra pousada no Bairro Santa Cecília. No local escolhido para a visita de Gean & Roger, há 35 internos e alguns hóspedes temporários. Alguns foram levados pelas famílias, mas a maioria escolheu viver ali a terceira idade, recebendo assistência de psicólogos, recreadores e técnicos de enfermagem.
– Pousada Vida Nova (Av. Juiz de Fora 1.348 – Grama). 3224-7173
No mundo da animação
“Eu participei de um amigo-oculto organizado pela Tribuna e o meu presente são vocês.” Foi assim que o diretor de animação Alessandro Driê se apresentou a cerca de 50 crianças e adolescentes do Lar Fabiano de Cristo. E o presente dele aos atendidos pela instituição foi a apresentação de seu premiado curta de animação “Poliedro – O resgate”, que retrata um pouco da infância do poeta Murilo Mendes, mostrando cenários de Juiz de Fora e região.
Todos estavam curiosos para conhecer o visitante, fizeram silêncio na sala de vídeo e acompanharam as aventuras do pequeno Murilinho. Ao final, a participação do público em um momento de bate-papo foi surpreendente. Com perguntas inteligentes, eles queriam conhecer mais sobre a vida do protagonista da história, saber como se faz um desenho animado e o que levou Driê a se interessar por esse tipo de produção.
Agradecendo a visita, a orientadora técnica da instituição, Sheila Maria Gonçalves, ressaltou a importância do vídeo como uma forma de instigar os alunos a querer saber mais sobre personalidades e lugares históricos da cidade. “É uma semente plantada que pode dar algo no futuro”, disse. Para o animador, a experiência foi uma das melhores já vividas. “Fiquei feliz e honrado em ter participado do Amigo-oculto Solidário. A meu ver, uma excelente iniciativa que não só divulga a cultura da cidade, mas também as instituições beneficiadas”, avalia.
O Lar Fabiano de Cristo é uma unidade de promoção integral do Recanto do Caminho, sustentada pela Capemi (Caixa de Pecúlios, Pensões e Montepios – Beneficente), que atinge 92 famílias do Bairro Santa Efigênia e adjacências, oferecendo atendimento psicológico, odontológico, regularização de documentos, auxílio alimentar e habitacional e atividades de geração de renda. No programa de apoio socioeducativo, 140 crianças participam de atividades extra-escolares, recebendo alimentação, aulas de reforço, música, dança, teatro e prática esportiva.
– Lar Fabiano de Cristo – Casa Recanto do Caminho (Av. Pedro Afonso Pinheiro 465 – Santa Efigênia). 3237-5181
De hospital a salão de dança
O hall de entrada do Hospital Ana Nery foi transformado em um salão de dança com a visita do grupo Estação Cultural. Cerca de 30 pacientes – muitos deles em cadeiras de rodas – se espalharam ao redor das paredes para dar espaço aos dançarinos. E até aqueles que a princípio pareciam desanimados, alheios a toda a movimentação, por fim se renderam aos ritmos de bolero, salsa, samba de gafieira, forró e tango, batendo palmas e cantando.
Entre uma música e outra, a professora Silvana Marques explicava as origens da dança e apresentava detalhes sobre os passos mais modernos. Logo alguns pacientes quiseram dançar também, e os dançarinos se revezaram para fazer par com cada um deles. Internado há dois anos para tratamento intensivo de fisioterapia, Luiz Wanderley Bastos, 45, não pôde se levantar, mas se animou em relembrar os tempos em que dançava a noite toda. “Só de poder apreciar uma apresentação tão bonita já está sendo ótimo”, contenta-se.
“É interessante perceber que, mesmo em situações limites, há muita vida dentro de cada um. E quando a dança acontece, aquele fio de alegria, de vibração, se aflora. Para nós, é difícil lidar com uma platéia fora do habitual, porque a energia que volta é muito diferente, vem do esforço de cada um em dar o que pode. Mas o ganho é perceber que não há fronteiras para a arte, ela penetra em todo ser humano, independentemente de qualquer condição”, comenta Silvana, dando sua impressão sobre a visita à instituição.
O hospital atende pacientes particulares e encaminhados pelo SUS, priorizando enfermidades crônicas que necessitam de tratamento prolongado. Considerado como referência em reabilitação física, possui um quadro clínico qualificado para cuidados cardiovasculares, pulmonares, neurológicos e osteomusculares. A instituição é aberta a visitas religiosas e recreativas mediante agendamento e aceita doações de roupas de cama, banho e uso pessoal para os internos.
– Hospital Ana Nery (Estrada de Chácara 1.260 – Grama). 3224-7271
Em contato com instrumentos clássicos
Aos poucos, a sala do Centro de Atendimento à Infância e à Adolescência (CAIA) foi ficando pequena para acolher pais e crianças que chegavam para assistir à apresentação do Quarteto Jovem do Pró-Música. Com um repertório de músicas clássicas, populares e natalinas, os instrumentistas criaram um clima de intimidade com o público, convidando as pessoas para ver de perto as partituras e conhecer cada parte do violino, da viola e do violoncelo.
Durante a apresentação, a regente da Orquestra Escola, Maria Cristina Santos, contava curiosidades sobre as formas de tocar e sobre os materiais de que são feitos os instrumentos. A surpresa para o público foi saber que o arco que produz o som ao tocar as cordas do violino é feito de crina de cavalo. “A sensação de trazer a música para pessoas que nunca viram uma apresentação de perto é talvez mais gratificante do que outros importantes trabalhos que fazemos por aí”, compara a regente.
Satisfeita com a oportunidade de participar do Amigo-oculto Solidário, a diretora-presidente do Pró-Música, Maria Isabel de Souza Santos, louvou a iniciativa da Tribuna como um sinal de que a mídia também se preocupa com o aspecto social da cultura. Ao final da apresentação, ela perguntou se alguém gostaria de estudar música, e a pequena Mariane Kaizer, 9 anos, perguntou baixinho quanto custariam as aulas. A menina só conhecia violinos pela televisão e, naquele momento, sentiu vontade de aprender a tocar, sendo presenteada com uma bolsa integral.
O CAIA é uma organização não-governamental que recebe recursos da Prefeitura e do Governo Federal para prestar atendimento de fonoaudiologia, psicologia, serviço social, musicoterapia e outras atividades terapêuticas a cerca de 240 crianças e adolescentes. Atuando desde 2001, a ONG foi premiada recentemente pelo Conselho Municipal de Assistência Social com o projeto Viver tá na Moda, que propõe oficinas de customização para gerar renda para as famílias dos assistidos. A idéia é fazer uma grife social e, para isso, os colaboradores contam com doações de roupas e calçados.
– Centro de Atendimento à Infância e à Adolescência (Rua Dr. Romualdo 650 – São Mateus). 3216-3500
Fonte: Tribuna de Minas